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Historicamente retratada como hostil, degradada, pobre e escassa, a Caatinga, único domínio biogeográfico 100% brasileiro e predominante no centro do Nordeste e no Norte de Minas Gerais, abriga, na verdade, diversos tipos de vegetação adaptados à semiaridez que são, na verdade, ricos em diversidade e endemismo de espécies. Pelas suas características sazonais, o maior domínio biogeográfico semiárido da América do Sul, recebe pouco interesse da academia, sendo pouco valorizado, estudado, e consequentemente preservado.
No entanto, o estudo publicado no periódico internacional The Botanical Review, do Jardim Botânico de Nova Iorque, coordenado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e em colaboração com cientistas de outras universidades brasileiras, tenta traçar novas perspectivas de estudos e mapeamentos sobre a fauna e flora do bioma. Os pesquisadores propõem novos mapas do domínio, que destacam a riqueza e a distribuição de sua biodiversidade.
O professor Marcelo Moro, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da UFC, é responsável por coordenar a equipe de cientistas, que trazem uma nova regionalização da caatinga, levando em consideração aspectos relacionados ao relevo e à distribuição das espécies que a habitam.
RESULTADOS
Foram produzidos dois novos mapas: um geomorfológico, mostrando as grandes unidades de relevo da caatinga, e um biogeográfico, propondo a subdivisão da caatinga em pedaços menores, ou distritos biogeográficos. Para Marcelo Mouro, há “muitas Caatingas”, já que o bioma não apenas uma coisa.
“Há a dos terrenos rasos pedregosos da Depressão Sertaneja, a de areia nas grandes bacias sedimentares, como a do Tucano-Jatobá, onde ocorreu a guerra de Canudos, e há até as dunas continentais do rio São Francisco, no meio da Bahia, trazendo surpresas inesperadas ao viajante”, explica o professor.
Ao todo, os mapas levaram oito anos para serem elaborados e contaram com contribuições de botânicos e geógrafos. Na proposta dos pesquisadores, a caatinga é dividida em 12 subunidades biogeográficas com particularidades próprias:
Nessa divisão é possível perceber a riqueza de paisagens e espécies do domínio, que compreende desde trechos úmidos, como os encraves de florestas dos brejos de altitude, até formações tipicamente costeiras e litorâneas, como campos de dunas, savanas e manguezais.
“Há também na caatinga redes de cavernas, dunas continentais, afloramentos rochosos incríveis, serras, terrenos arenosos e terrenos pedregosos, grandes rios perenes, pequenos rios sazonais, lagoas sazonais, plantas aquáticas. Uma diversidade enorme de tipos de ecossistemas, a maioria deles adaptado ao clima semiárido, com várias espécies de animais e plantas que só existem na caatinga”, complementa Moro.
BIODIVERSIDADE
Conforme os pesquisadores, até hoje estão catalogadas mais de 3 mil espécies de plantas na caatinga, sendo que em torno de 500 delas são endêmicas, ou seja, só existem no bioma. Porém, até a década de 1980, havia a ideia, até mesmo entre os cientistas, de que a caatinga era pobre em espécies e endemismos.
“De fato, a caatinga, enquanto um dos grandes domínios de natureza do Brasil, sofreu muito preconceito e visões muito distorcidas. Essa riqueza incrível de paisagens é muitas vezes desconhecida pelos brasileiros, e as tristes e errôneas imagens de solo rachado e áreas desmatadas acabam aparecendo na televisão, sites de Internet ou mesmo livros como se fossem a caatinga”, destaca o pesquisador.
CONSERVAÇÃO
Além da proposta de atualização de dados e informações sobre a Caatinga, um dos objetivos do estudo é chamar a atenção para a sua conservação. Segundo os pesquisadores, mais da metade da cobertura vegetal desse bioma já foi destruída como consequência de desmatamento, queimadas e corte de madeira. Outras ameaças são o mau uso da terra, a caça e o sobrepastoreio.
Em questão de comparação, enquanto na Amazônia há grandes áreas de proteção, na caatinga, apenas cerca de 8% têm algum grau protetivo legal, e em sua maioria na forma de APAs (Áreas de Proteção Ambiental), que são as unidades de conservação menos protegidas.
Conforme o professor coordenador do estudo, se observar apenas as unidades de conservação de proteção integral, ou seja, Parques Nacionais e Estaduais, Estações Ecológicas, Monumentos Naturais e outros, apenas 1,3% da caatinga é protegida.
Espécies animais e vegetais, como a onça-pintada, ainda presente na região da Serra da Capivara, a arara-azul-da-caatinga e a ararinha-azul, ambas endêmicas da caatinga, e o cacto Tacinga mirim, descrito cientificamente no Ceará, em 2024, pelo pesquisador Marcelo Teles, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), podem desaparecer por completo caso não haja uma política de aumento de áreas protegidas. Os mapas elaborados na pesquisa, defende Moro, podem ser, portanto, aliados para a construção de políticas públicas de conservação para a caatinga.
Outra alerta dos pesquisadores é em relação às áreas de caatinga no Ceará, que sofrem um processo avançado de degradação. “A caatinga é pouco protegida no geral e, no Ceará, é ainda menos”, destacou Moro. Segundo o pesquisador, é preciso haver um equilíbrio entre atividades econômicas e preservação de matas nativas.
Além do professor Marcelo Moro, assinam o artigo Luciano Paganucci de Queiroz, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); Luis Costa, da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES); Nigel Taylor, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR); Daniela Zappi, da Universidade de Brasília (UnB); além de Vivian Amorim, da Universidade Federal do Cariri (UFCA), e Rubson Maia, do Departamento de Geografia da UFC.
Fonte: Opinião-CE